Ciência e arte

com os agradecimentos ao amigo Ortinho

Nessa época, eu namorava uma garota com o nome de Maria Madá que era completamente louca. Na Soparia, um dia deu pra gritar que graças ao diu eu não era pai. Dio, como ti amo, cantou meu amigo W, lá do balcão – e vários outros o seguiram. Ela dava de levantar a saia vermelha pelas ruas do Pina. Arretei-me. O povo todo se abria, a molecada pedia: mostra a periquita de novo, mostra, mostra, mostra! Não se fazia de rogada. Galega pentelheira, olhos pretos, pele branquinha, seios recurvos pro céu e uma bunda de voltar a acreditar em Deus. Rica, família de Apipucos, subúrbio de Recife, pai cirurgião, avô senador, bisavô coronel. Todo dia no colégio um escândalo diferente – Maria Madá não curtia os remédios que o pai lhe entuchava, ou então misturava tudo, fumava maconha junto, descia com jurubeba. Ficava boazinha. E enquanto meus amigos tiravam o maior sarro da minha cara, eu só queria saber de tirar a maior onda com ela – porque, no fundo, queria desentender aquela cabeça aquele corpo possuído pelo diabo: e só conseguia ficar ainda mais louco pela louca. E ria, ria, ria. Belo dia, pruma casa de repouso o pai mandou a garota – tinha ido comprar pão nua de novo; chega.

Visitei-a. Contou-me que a vizinha de quarto tinha um vibrador. A noite inteira – Maria Madá ria. De vez em quando ela me empresta, piscou o olho pra mim. Chupei sua buceta detrás duma árvore do jardim zuado com umas esculturas de Brennand; alguns loucos ficaram olhando e socando uma. Nem liguei, amoroso que estava; e era. Ia saindo sorrindo, enxugando meu suor e minhas lágrimas, quando topei com a psicóloga que lhe atendia. És o namorado dela? Sou sim senhora. A trintona tinha coxas grossas e maneiras finas: prazer. Sempre quis lhe conhecer. Olhava-me serpente debaixo do óculos, a morena psicóloga. Tu, o que fazes? Sou roqueiro, toco numa banda. É mesmo? E usa drogas? Pirei nos peitos vesgos da psicóloga, não parava de olhar pra lá não. Todas. Fui ficando troncho. Quais? Clareou: do escuro da saia, a calcinha branca. Pó, maconha, cachaça. E me garanto. Mas é isso o que está enlouquecendo sua namorada, ela lascou, enquanto abria a blusa. Você precisa participar de nossa terapia de grupo, ela gemia, severa, enquanto eu lhe metia no papeiro. Sinto muito – arretei-me, devolvendo o pau à cueca. Fodo louca e psicóloga, mas de terapia de grupo eu não participo.

Maria Madá saiu uma semana antes do prazo. A psicóloga achava que a alegria do Carnaval poderia curar a loucura. Ciência de merda. A garota tinha que tomar duas cápsulas por dia, nem lembro que porra de remédio era, só que via sabores e comia cores. Chegamos no meio do Sábado de Zé Pereira. Já dois blocos depois perdi a garota. Fui reencontrá-la em casa, cheirando cola com meu amigo W, vestido de pierrô ele e ela de colombina. Não me restou outra alternativa que cochichar para W que eu tinha visto a Perna Cabeluda subindo pela Ladeira da Misericórdia. Ele entendeu a mensagem e se mandou. Aí mandamos as cápsulas pra dentro, ela com água eu com caninha Pitu. Fodemos a noite por quinhentas Vassourinhas. Ela gozava com os olhos no teto, suor frio e estremeliques. O domingo todo conversamos e transamos. Uma das coisas que Maria Madá me contou era que a louca vizinha de quarto tinha se matado com o vibrador na banheira. Encontrada com o cu frito. Muitas risadas, nessa época.

Segunda-feira o Bloco da Corda entrou em nossa casa na Ladeira da Misericórdia nos acordando e chamando pra ir brincar. Maria Madá pediu pelo amor de Deus que fossem embora, porque eu ia comer sua bundinha só mais uma vez. Quando foi alta noite de Terça-Feira Gorda notei que Maria Madá tinha sumido. Notei também que nós tínhamos tomado todas todas todas cápsulas de remédio. E que meu pau estava ensangüentado. Nele, grudado, um bilhete garatujava que o diu tinha caído e que ela foi buscar outro. Terminava dizendo que ia ver o Bloco do Segura a Coisa – salve o teu Carnaval.

Encontrei a galega no Beco do Mijo. De repente, minha vista ficou toda preta. Cada um num buraco, Maria Madá estava fodendo com três negões vestidos de enfermeiro. Psicodelia ou sacanagem? Argilo, se for logia – com certeza. Antes que eu chegasse perto, entrou no meio um maracatu. Olinda jamais foi a mesma, e nem eu – aluado da cena, degringolei-me de marijuana pau do índio ácido lança e nas Cinzas fui parar no Hospital da Restauração, donde saí um mês depois totalmente liso e desfragmentado. Nisso, perdi de vez a garota – nossa banda estourou uma música e eu vim morar em São Paulo, tudo tão rápido. Dia desses, cruzei na Vila Madalena com meu amigo W, que me contou: Maria Madá tinha casado com um dentista rico de Boa Viagem, chamado doutor Apocalipse, que, apesar de sofrer de hemorróidas, consertou a ela os dentes e os miolos. Agora, parece que a galega borda painéis com motivos sertanejos e os vende na Casa de Cultura. Eu ria, me abria. No Recife, tudo é possível. O que fode é a ciência.

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Verão, 2000.

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